Ignorantes

Quantos de nós passamos por certas pessoas e as tratamos como se não fossem dignas de respeito? Essa pergunta é para cada um de nós, principalmente para aqueles que lidam com pessoas no dia-a-dia.

Talvez você ache que essa pergunta não deva ser feita a você, então vamos continuar com o raciocínio.

Estou falando da falta de repeito principalmente com as pessoas que geralmente estão em um serviço terceirizado nas dependências de nossas escolas, faculdades ou trabalho. Falo da faxineira, do guarda, da bibliotecária, do maqueiro no hospital, da recepcionista, da supervisora na escola, da secretária, entre outras pessoas que simplesmente são tratadas como sombras ou nossos “servos”, como se não fossem tão humanos quanto nós. Aqueles que costumamos chamar de preguiçosos quando o serviço atrasa. São eles – em sua maioria – os “ignorantes” que desconhecem das grandes ciências e informações.

Nós criamos uma barreira entre nós e essas pessoas. Nos achamos superiores àqueles que limpam muitas das nossas sujeiras – estas por sinal, que são exemplos de nossa falta de respeito, não só com o meio ambiente e tais pessoas, e de educação.

Às vezes insistimos em culpar o tempo, a nossa pressa, e julgamos não ter tempo para dizer um simples “oi” – “desculpa, eu estava atrasado”. Um “oi” que não leva mais do que um segundo para ser dito. Assim, passamos correndo por essas pessoas, deixando-as nos escanteios das nossas vidas, como se fossem apenas figurantes na peça da nossa vida.

É interessante que não os observamos comumente, mas eles nos observam. Já fui elogiado pelo simples ato de fechar a porta ao sair – algo tão simplório, mas que para o guarda do prédio da faculdade, a ausência desse ato era uma falta de respeito -, enquanto muitos passavam por ela e a deixavam aberta. Foi assim que conheci um dos guardas da faculdade, o qual deixou simplesmente de ser o “guardinha” e passou a ser o Alexandre.

Esses “figurantes” observam nossas atitudes e, em alguns casos, talvez sejam capazes de nos dizer quem somos melhor do que nós mesmos e perceber características que nem nós mesmos ousamos descobrir.

Quantos de vocês já observaram que algumas das ruas em nossas cidades estão limpas pela manhã? Uma noite, em que fiquei até tarde na faculdade, tive a iniciativa de vencer a timidez e puxar conversa do gari e perguntar se eles varriam a rua da faculdade todas as noites. Ele respondeu que sim, que fazia parte do trabalho limpar aquela rua. Foi aí que exclamei sinceramente: “Nossa, não tinha percebido! Faz muita diferença ver a rua limpa de manhã! Bom trabalho”! Já é difícil andar pela rua com carros não cumprindo a sinalização e faixas na rua, ter que desviar do lixo seria mais uma distração ao andar por ali.

Quantos nunca perderam um pertence e foram diretamente ao serviço de limpeza para buscar, e que, com sorte, encontraram-no nas mãos de alguém de confiança e que sempre lhe cumprimenta quando o vê?

Quanto de vocês já pararam para conhecer pelo menos um desses “figurantes”?

Bem, eu já. Toda vez que eu entrava na biblioteca da faculdade percebia que o guarda estava lendo um livro diferente. Foi aí que comecei a conversar com ele e a elogiar o seu hábito de leitura – e passar inclusive a ter inveja por não me dar ao luxo de dar mais tempo para ler outros textos além dos ditos científicos e da carreira acadêmica.

Foi aí que presenteei o guarda Rubens com um livro. Isso me deu oportunidade de saber que a tal moto que sempre via na biblioteca era dele, que ele tinha uma esposa, que gostava bastante de ler e pude conhecer algumas de suas crenças. Algumas vezes investi alguns minutos para conversar sobre a vida, os livros que lia, as crenças, Deus. Posso dizer que o respeito muito.

Ao compartilhar esse pequeno fato, pretendo demonstrar o quanto é simples mudar certas atitudes arrogantes e cumprimentar alguém, e posso dizer o quanto isso muda a sua visão sobre algumas pessoas.

Afinal, se você tem amor próprio, ama a si mesmo, amar ao próximo como nos amamos pode ser apenas uma questão de exercício. E se não quiser cumprimentar alguém porque acha que estará sendo falso, então apenas seja educado e cumprimente da mesma forma.

Além disso tudo, temos o fato de que às vezes mais reclamamos das más atitudes das pessoas que nos cercam do que estamos contribuindo para ensinar respeito e educação aos outros. Isso nos remete a uma pergunta bem simples: quem será mais ignorante: Pessoas em posição inferior, iletrados ou nós que tratamos seres humanos como animais irracionais?

Por vezes, e infelizmente, nós somos os verdadeiros ignorantes neste mundo.

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Decidi escrever este texto porque depois de um certo tempo deixei de encontrar algumas das pessoas as quais sempre me davam um sorriso, acompanhado de um bom dia, logo que passava por elas. E fazia questão de agradecer e cumprimentar de volta.
Dedico esse texto a todos esses “figurantes” que são os protagonistas da própria vida e tem histórias muito interessantes para contar, e também ao meu pai, que me sugeriu compartilhar pequenas histórias deste tipo.

Publicado originalmente no blog Vendedores de Ideias em 08 de fevereiro de 2014 – e revisado para esta postagem.

close up of human hand

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